Haja vontade e Inovação
Portugal assumiu, desde muito cedo, ser um referencial estratégico europeu na proteção efetiva do ambiente, na descarbonização da economia e na implementação de modelos de crescimento comprometidos com o Pacto Ecológico Europeu rumo a uma economia mais circular, que prioriza o cidadão como agente ativo e participativo na sustentabilidade do país, das regiões e das cidades.
Sendo certo que o cidadão e os seus comportamentos ditarão o sucesso de muitas estratégias nos domínios do ambiente, certo também será que as autoridades governamentais, locais, empresas, instituições de ensino entre outras, são muitas vezes indutores e catalisadores de mudança seja, liderando pelo exemplo e boa prática, seja por promover quadros de apoio e investimento que promovem e financiem melhores práticas ou, seja ainda, pela criação de quadros regulatórios que exigem a alteração de comportamentos e práticas de forma mandatória.
Diria, pela minha experiência, que a coexistência destes 3 vetores na implementação das políticas ambientais fortalece e consolida o sucesso das mesmas.
Assim, o caminho para a sustentabilidade e no caso concreto para a gestão sustentável dos recursos e resíduos é uma conjugação entre Comunicar, Sensibilizar e Envolver o cidadão/produtor de resíduos, estimular, promover e apoiar novas soluções mais otimizadas e eficientes e, em paralelo, definir quadros de regulação que balizem as novas estratégias, definam as metas, objetivos e indicadores e, naturalmente, definam as regras para cumprimento.
Mas não devemos pensar que as estratégias ambientais são apenas efetivadas com sucesso num universo fechado e que se cinge ao ambiente.
Qualquer estudo de metabolismo urbano demonstra que as conectividades de uma cidade ou região não são estanques, que a cidade enquanto organismo vivo tem interações, conectividades que impactam, de forma direta, noutros domínios e que revelam que sem o devido alinhamento estratégico podem condicionar ou mesmo reduzir a eficácia de outras medidas e áreas.
O Turismo, muito direcionado com as atividades económicas, tem um impacto direto na produção de resíduos e pressão ambiental, a Mobilidade ou o Urbanismo impactam na otimização e Eficiência da recolha de resíduos ou a Habitação impacta nos modelos e estratégias a implementar para Envolver o cidadão na correta separação e valorização de resíduos.
São apenas alguns exemplos e haverá mais que demonstram, de forma efetiva, que a cidade é um organismo vivo, mutável e que obriga às equipas de gestão uma constante adaptação.
Recentemente foi aprovado pela Presidência do conselho de Ministros o Decreto-Lei n.º 10/2024 que Procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria.
Certo de que existe um problema de habitação por toda a Europa e que em Portugal existe a necessidade efetiva de construção de, até 2026, de 32.000 casas conforme disse António Costa, certo também será que a maioria desta construção nova que terá de existir será em altura/prédios e que, nos anos sequentes, projeta-se crescimento em nova habitação da mesma ordem de grandeza e possivelmente da mesma tipologia habitacional.
Por esta altura o leitor perguntar-se-á porque é que num artigo sobre resíduos estou a falar sobre habitação. A razão é simples: É que o referido Decreto-Lei n.º 10/2024 vem retirar uma obrigatoriedade que suportava a estratégias de maximização da recolha seletiva de resíduos nomeadamente, na apreciação do projeto de arquitetura, explicitando que a câmara municipal não pode analisar os elementos não previstos no n.º 1, estando designadamente impedida de apreciar os projetos respeitantes a obras no interior dos edifícios ou suas frações, alínea b) A existência de compartimentos ou locais para caixotes do lixo ou outros elementos de mobiliário urbano;
Tal significa que, estando as Câmaras Municipais impedidas de analisar a existência de compartimentos de resíduos, dificilmente os projetos de novas edificações contemplarão a existência de tais locais.
Não sou nem serei pessoa de “chorar sobre o leite derramado” até porque sei que o setor se mobilizou para reverter tal situação. O importante, agora, é adaptarmo-nos ao organismo vivo que é a cidade, rapidamente definirmos uma estratégia consolidada para mais este novo desafio e perceber que, se a construção de habitação nova ou a reafetação de imóveis para habitação só produz efeitos a longo prazo então, o importante é garantir que o produtor de resíduos, independentemente da tipologia habitacional onde vive tem uma alteração de comportamentos para a valorização do resíduo como um recurso e, em paralelo, se fomenta o empreendorismo e a inovação para que se criem novos produtos e soluções para a separação dentro de portas.
Se vão ter de continuar a existir equipamentos na via-pública para colocar estes resíduos? Sim, mas podem ser melhores, inovadores, otimizadas e induzirem ganhos de eficiência.
Um bom exemplo desse caminho é o ecoponto Wallie criado pela área de inovação da Lipor e que vem dar resposta aos argumentos de falta de espaço nas habitações para separação de resíduos.
A Inovação é um caminho obrigatório para o setor dos resíduos em Portugal e dará, certamente, resposta a muito dos desafios atuais e futuros neste setor.
Depois, se os resíduos são colocados no Compartimento de Resíduos ou no Ecoponto só dependerá da vontade e mobilização de cada um de nós.
Haja vontade e Inovação porque “pedras no caminho” vão sempre existir.