Mobilidade elétrica: valorizar as emissões poupadas

Mobilidade elétrica: valorizar as emissões poupadas

Em fevereiro de 2025, o Governo submeteu a consulta pública o Projeto de Decreto-Lei que estabelece o Novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica, executando, parcialmente, na ordem jurídica interna, o Regulamento da União Europeia (UE) relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (AFIR), revogando o regime vigente desde 2010.

O novo regime pretende promover um modelo de carregamento elétrico mais fácil, de acesso universal e flexível, em linha com as práticas de outros países europeus, tendo sido alvo de cerca de 420 comentários, muito centrados no fim da gestão centralizada da rede de carregamento pela Entidade Gestora da Mobilidade Elétrica (Mobi.e) e na eliminação da figura do Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME).

O artigo 5.º do Projeto de Decreto-Lei, relativo à emissão de títulos, esteve longe do debate. Este artigo postula que as emissões de CO2 poupadas pela incorporação de eletricidade de origem renovável para uso na mobilidade elétrica são objeto de valorização económica, através da emissão de títulos. Os utilizadores e operadores que usem eletricidade renovável beneficiam das toneladas de CO2 não emitidas, transacionáveis e contabilizadas no cumprimento das metas de incorporação do setor dos combustíveis e dos transportes. Contudo, muito ficou por definir: esta é uma das disposições que é deixada para posterior momento de regulamentação.

Não é uma ideia nova. Há muito que o CEiiA tem vindo a advogar o conceito de ‘valorização das emissões evitadas’ associado à mobilidade elétrica.

Em 2009, no âmbito do Programa Nacional de Mobilidade Elétrica, o CEiiA já defendia a necessidade de quantificação das emissões de carbono evitadas com a mobilidade elétrica, através da plataforma de mobilidade inteligente que geria a rede de carregamentos (mobi.me). Mais tarde, em 2016, é introduzido o conceito de ‘valorização’, com o lançamento do projeto Ubergreen, em colaboração com a Uber, com o objetivo de quantificar em tempo real as emissões de CO2 evitadas com o uso de um Uber elétrico em relação a um Uber com motor de combustão interna, convertendo-as em créditos que podiam ser trocados por viagens sustentáveis na Uber.

Em 2019, começaram a ser realizadas as primeiras experiências de aplicação da plataforma AYR, desenvolvida pelo CEiiA, em cidades e organizações, como empresas, universidades e escolas, em Portugal e no Brasil, com o objetivo de acelerar a transição para a neutralidade carbónica. A plataforma permite quantificar, de forma fidedigna, as emissões evitadas com a mobilidade elétrica, valorizando-as em ativos ambientais transacionáveis, que podem ser trocados por bens ou serviços em ecossistemas locais ou usados como créditos de CO2 em mercados voluntários de carbono, recompensando os comportamentos sustentáveis.

Um tema crítico para o sucesso destes projetos é o rigor, a transparência e a rastreabilidade da quantificação, monitorização e validação das emissões poupadas

Um tema crítico para o sucesso destes projetos é o rigor, a transparência e a rastreabilidade da quantificação, monitorização e validação das emissões poupadas, conseguidos com o uso de metodologias robustas e de ferramentas digitais e automáticas, como blockchain, sensores inteligentes, sistemas IoT e Inteligência Artificial. Desta forma, assegura-se a credibilidade do sistema e a confiança nos dados gerados, simplificando o processo de certificação (auditável) dos créditos emitidos e assegurando os “Princípios Fundamentais do Carbono” (Core Carbon Principles), conforme definidos pelo Conselho de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono.

Além da dimensão tecnológica, o CEiiA tem explorado outros domínios essenciais para a operacionalização do sistema, como os modelos de governança e de articulação entre os diversos stakeholders, introduzindo conceitos como o de ‘Integrador de Sustentabilidade’ e ‘Mercado local voluntário de carbono’. Trata-se de uma abordagem descentralizada, que democratiza a geração e transação de créditos, valorizando o impacto climático positivo dos utilizadores.

Apesar de a ideia de ‘valorização do carbono não emitido’ não ser nova, foi oportunamente apropriada pela política pública.

Apesar de a ideia de ‘valorização do carbono não emitido’ não ser nova, foi oportunamente apropriada pela política pública. Contudo, de acordo com a experiência do CEiiA, existem vários temas em aberto que importa debater com as partes interessadas: Que modelo de governança? Que metodologias de quantificação das emissões poupadas? Que soluções tecnológicas e organizacionais capazes de garantir a fiabilidade do sistema? Quais as regras de atribuição de títulos a utilizadores e operadores? Qual o valor do carbono não emitido? Qual a relação com o mercado nacional voluntário de carbono?

Sem celeridade e agilidade, o país poderá perder, mais uma vez, o pioneirismo em políticas para a mobilidade elétrica.

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