Mudança de paradigma na gestão de lamas de ETAR - o contributo da instalação de hidrólise térmica

Mudança de paradigma na gestão de lamas de ETAR - o contributo da instalação de hidrólise térmica

O contexto das Entidades Gestoras (EG) de saneamento em Portugal, no que diz respeito à gestão dos subprodutos da sua atividade, é hoje particularmente complexo, do ponto de vista técnico e económico. Coexistem, neste espaço e momento, conjuntos de imposições, tendências e indefinições que, conjugados, tornam a gestão de lamas resultantes dos processos de tratamento das ETAR um dos principais desafios das EG, assumindo o terceiro lugar no ranking de gastos operacionais, a seguir ao pessoal e energia.

Por um lado, temos, e bem, uma legislação mais exigente e inibidora de más práticas de gestão de lamas, embora a capacidade fiscalizadora das autoridades competentes ainda esteja em desenvolvimento. Por outro lado, existe um mercado nacional de prestação de serviços de gestão de subprodutos, ao qual a EG e a Tejo Atlântico recorrem para o transporte e valorização das lamas, limitado em número de atores, em infraestruturas adequadas ao tratamento, manuseamento das lamas e no licenciamento necessário para a sua atuação em conformidade com a lei. Este contexto tem conduzido a um aumento exponencial do custo do serviço destas entidades, atingindo atualmente preços por tonelada que duplicaram ou triplicaram num espaço de cinco anos.

 Acresce a esta complexidade a exigência da DARU que nos impõe, já a partir de 2030, um aumento do nível de tratamento das águas residuais (AR), com consequente aumento da produção de lamas, aliado à imposição de objetivos de neutralidade energética, mas também às preocupações crescentes, e fundamentadas, relativas a microplásticos, PFAS e outros poluentes emergentes, todos com elevada afinidade pelos sólidos que removemos das nossas instalações. Estas são algumas das dimensões que introduzem particular complexidade na gestão de lamas de ETAR por parte das EG, que necessita de ser conjugada com o objetivo primordial de garantir o serviço de tratamento de AR de excelência com tarifas acessíveis.

A Águas do Tejo Atlântico, maior produtora de lamas de ETAR do país, com cerca de 170 000 toneladas por ano, dispersas por 100 ETAR, desenvolveu e viu aprovado o seu plano de lamas, que visa reduzir o volume de lamas produzidas em cerca de 50% e melhorar significativamente a sua qualidade, com vista a incrementar a apetência do mercado por este produto essencial à melhoria da qualidade dos solos agrícolas e à fertilização biológica, em detrimento da fertilização sintética, como imposto pela diretiva comunitária.

O plano de lamas contempla a centralização e tratamento adicional em cinco das nossas instalações por processos de compostagem e por processos de aceleração das etapas de digestão anaeróbia já existentes, com impacto positivo na produção de energia renovável e, consequentemente, na diminuição da pegada carbónica da nossa atividade.

Este é o primeiro projeto com esta tecnologia a ser implementado em Portugal, marcando uma viragem estratégica nos processos de valorização das lamas e de produção de energia nos sistemas urbanos de saneamento (...)

O primeiro concurso para a materialização do plano, publicado em junho, com um preço base de 24 M€, que visa a contratação da empreitada de conceção e construção do sistema de hidrólise térmica na ETAR de Frielas, representa um passo significativo na estratégia definida, pelo complemento e modernização da etapa de tratamento de lamas já existente. Estima-se uma redução muito significativa do quantitativo de lamas a remover do sistema, simultaneamente com o aumento de produção de biogás que será valorizado na produção de energia elétrica para autoconsumo, levando mais uma ETAR da Tejo Atlântico à neutralidade energética, e o remanescente biogás contribuirá para a estratégia nacional do biometano, tendo presente o conhecimento já adquirido nesta instalação com um piloto de produção de biometano. Este é o primeiro projeto com esta tecnologia a ser implementado em Portugal, marcando uma viragem estratégica nos processos de valorização das lamas e de produção de energia nos sistemas urbanos de saneamento, mas também no posicionamento do Grupo AdP na gestão de lamas de ETAR, situação para a qual escasseiam soluções compatíveis com a qualidade e preço necessários.

A hidrólise térmica das lamas utiliza elevada temperatura e pressão para quebrar a estrutura de células e materiais orgânicos das lamas, facilitando a etapa sequencial de digestão anaeróbia, com redução significativa da microbiologia, aumentando de forma expressiva a produção de biogás e reduzindo significativamente o volume de lamas finais a encaminhar. Os benefícios são claros: aumento da produção de energia renovável, menor quantidade de lamas a transportar, com qualidade de produto higienizado e, portanto, mais adequado à valorização agrícola.

Esta é uma tecnologia madura e testada em diversos países, permite uma saudável convivência com a comunidade — quer ao nível dos odores, bem como ao nível da segurança ou ruído, salientando-se o caso das ETAR de Vigo, Madrid, Barcelona e diversas outras com excelentes resultados ao nível da produção da energia e qualidade de lamas, otimizando os custos operacionais e reforçando o compromisso com a sustentabilidade. No Reino Unido, o sistema da Thames Water em Slough tornou-se um caso emblemático, com produção de energia suficiente para abastecer mais de 5000 habitações e com biolamas aptas à aplicação agrícola certificada.

Em conclusão, encaramos este projeto como um passo significativo na sustentabilidade da gestão de lamas de ETAR na Tejo Atlântico e em Portugal, pelo seu cariz inovador, pela diversificação de soluções técnicas e produtos seguros que introduz no mercado de fertilizantes, mas também pela sua relevância na estratégia de sustentabilidade ambiental com a qual estamos comprometidos.

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