O apagão: esconder ou esclarecer

O apagão: esconder ou esclarecer

Quase três meses após o maior apagão elétrico de sempre na Península Ibérica, pouco mais se sabe além da informação fornecida na página web da Red Elétrica de Espanha (REE) nos dias seguintes: o apagão deu-se por problemas de oscilações de tensão, que se iniciaram às 10h30 (hora de Espanha). A capacidade de controlo contratada não foi suficiente para corrigir essas oscilações, o que fez com que, às 12h30, se atingissem valores inadmissíveis para o parque gerador ibérico, pelo que se desconectaram todos, por questões de segurança, de acordo com as normas em vigor.

Porém, ainda não se conhecem as razões dessas oscilações. O governo de Espanha começou por apoiar a criação de um grupo internacional de especialistas para, de forma independente e transparente, analisarem as razões do incidente — procedimento adequado a um grande incidente desta natureza, com implicações nos países interligados.

Contudo, acabou por arrepiar caminho e decidiu responsabilizar a REE porque não cumpriu o seu dever de manter o controlo da tensão na rede e os geradores térmicos dos ciclos combinados, contratados para este efeito, que não terão atuado corretamente no controlo de tensão.

Como ambas as entidades recusam as culpas, o governo decidiu “lavar as mãos como Pilatos” e remeteu o problema para os tribunais.

Um incidente desta magnitude deveria servir para uma análise transparente e imparcial, feita por entidades e técnicos especialistas independentes, que determinassem as causas, apresentassem conclusões e sugestões de investimento e atualizações dos procedimentos de segurança. É este o procedimento habitual em outros setores quando ocorre um grande acidente, como é o caso da aeronáutica ou dos comboios de alta velocidade. Ninguém espera que sejam os governos ou os tribunais a emitir opiniões ou tirar conclusões técnicas.

Na data em que se escreve este artigo, a chefe do planeamento da REE vem anunciar um investimento que rondará os 700 milhões de euros nos equipamentos recomendados e programados no plano de investimentos da REE em 2021. Não me parece sensato obrigar os consumidores a pagar estes ou outros investimentos antes de se verificar se são os mais adequados.

Os sistemas elétricos ibéricos são uma referência mundial na integração de produção renovável. Esta incorporação tem exigido um grande esforço de investimento dos consumidores nas redes ao longo das últimas duas décadas.

Este esforço tem sido compensado com baixos preços para os consumidores, em especial os industriais, proporcionados pelo Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL), o que muito tem contribuído para atrair investimentos externos em ambos os países.

Manter a concorrência, a transparência e a credibilidade deste mercado deveria ser a principal preocupação das tutelas governamentais e das instituições que o gerem e supervisionam em ambos os países.

A via escolhida até agora, pelo governo espanhol, desacredita e desautoriza as entidades que tutela, lança suspeitas sobre o comportamento dos agentes de mercado e desacredita as entidades que supervisionam o MIBEL. Espera-se que o governo recupere a solução inicial e espere pelas conclusões e sugestões do grupo internacional que ajudou a criar.

Por último, causa alguma estranheza o silêncio das Redes Energéticas Nacionais (REN), cuja única explicação pública foi atribuir todas as culpas ao sistema elétrico espanhol. Este voluntário esvaziamento de funções na gestão do mercado é estranho já que, desde 2007, Portugal participa plenamente no mercado ibérico.

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