O longo processo rumo aos produtos sustentáveis

O longo processo rumo aos produtos sustentáveis

Recentemente, a Comissão Europeia adotou o seu plano de trabalho até 2030 no que diz respeito ao Regulamento relativo à Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis e ao Regulamento da eficiência energética.

O regulamento da conceção ecológica de produtos sustentáveis foi uma das iniciativas emblemáticas do Pacto Ecológico Europeu e assume particular importância na promoção de uma economia circular na Europa, uma vez que pretende integrar a sustentabilidade no produto logo desde a sua conceção. Pela primeira vez, são estabelecidos requisitos mínimos relativos à eficiência, à durabilidade e à reciclabilidade para quase todos os produtos presentes no mercado da UE. Este regulamento inclui ainda disposições para garantir a rastreabilidade das substâncias nocivas presentes nos produtos e a possibilidade de as restringir quando constituem um obstáculo à reciclagem ou têm um impacto negativo na saúde humana. A inclusão da proibição da destruição de têxteis não vendidos foi também uma das grandes conquistas deste pacote legislativo. Contudo, lamentavelmente, esta proibição da destruição de produtos não vendidos não se estende a outras categorias onde faria todo o sentido, como por exemplo, aos equipamentos eletrónicos.

O plano de trabalho aprovado pela Comissão Europeia em abril deste ano inclui várias categorias de produtos às quais foi dada prioridade — têxtil (vestuário), mobiliário, colchões, pneus, ferro e aço e alumínio — sendo que para cada uma delas existem datas diferentes previstas para a conclusão dos trabalhos, com o ferro e o aço já em 2026, ao passo que em relação aos colchões só está prevista a sua conclusão em 2029.  

Segundo a Comissão Europeia, os produtos englobados neste Plano de Trabalho representam uma parte significativa dos impactos ambientais do consumo da UE, sendo responsáveis por cerca de 31% dos impactos das alterações climáticas e 34% da utilização de recursos fósseis.

Neste contexto, compreende-se que seja dada prioridade a estas categorias pelo seu impacto ambiental e pelo potencial de melhoria. Contudo, a lista que consta do plano fica aquém do esperado. De facto, omite categorias-chave como os produtos químicos, o calçado, as tintas e os lubrificantes. Também não aborda outros setores de grande impacto, como os plásticos, o cimento e as infraestruturas de energias renováveis.

A definição de requisitos horizontais é um passo muito importante na procura de acelerar a transição para a economia circular, uma vez que permite uma implementação mais abrangente dos critérios de sustentabilidade em toda uma categoria de produtos

Outra das áreas de trabalho incluídas no Plano refere-se aos requisitos horizontais, no âmbito dos quais se prevê trabalhar no sentido de promover a reparação de produtos utilizadores de energia e o conteúdo reciclado e a reciclabilidade dos equipamentos elétricos e eletrónicos. A definição de requisitos horizontais é um passo muito importante na procura de acelerar a transição para a economia circular, uma vez que permite uma implementação mais abrangente dos critérios de sustentabilidade em toda uma categoria de produtos, evitando ter de passar por processos longos, habitualmente associados a uma abordagem produto a produto. Ainda assim, a sua eficácia será tanto maior quanto maior for a coragem política para conseguir que estes requisitos horizontais respondam aos desafios já identificados em cada setor.

Tendo como referência a promoção da reparabilidade, cujos requisitos horizontais se prevê que estejam finalizados em 2027, são ainda muitas as barreiras existentes à sua implementação, até porque é uma abordagem que terá implicações significativas na forma como as marcas que comercializam estes artigos terão de se organizar, e têm sido muitas as resistências à mudança de paradigma que a promoção da reparação representa.

Para que a reparabilidade seja uma realidade, será muito importante que os requisitos horizontais que venham a ser definidos respondam às necessidades já identificadas, nomeadamente: a disponibilização de informações sobre reparação (e atualização) e instruções de manutenção; a garantia de disponibilidade de peças sobresselentes; assegurar a facilidade de desmontagem sem necessidade de ferramentas especiais; a duração do apoio (disponibilidade de peças, informações e atualizações de software), os prazos de entrega razoáveis (peças e, consequentemente, da reparação), os preços aceitáveis e uma forte penalização de práticas anti-reparação. É ainda importante não perder de vista os obstáculos à reparação, entre eles as barreiras à reparação decorrentes de alguns softwares.

É importante sublinhar que através deste Regulamento se prevê que a informação sobre o desempenho ambiental de um produto chegue até ao utilizador final através do passaporte digital de produto. Esta ferramenta está pensada para recolher e partilhar dados sobre produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, que podem ser usados para demonstrar as suas características em termos de sustentabilidade e de reciclabilidade, por exemplo. Pode ser uma ferramenta interessante, mas a sua implementação também tem alguns desafios. Um deles é a qualidade e independência dos dados usados nesse passaporte, um outro é a sua exequibilidade num mercado saturado, em que todos os dias entram mais e mais produtos, e ainda um outro prende-se com as capacidades muito distintas de diferentes empresas para poder recolher essa informação e disponibilizá-la. Neste último caso, existe um risco sério de desigualdade na capacidade de aceder a esta ferramenta.

Portanto, ainda que a aprovação do Regulamento sobre a Conceção Ecológica de Produtos Sustentáveis tenha sido um passo muito importante para a promoção de Economia Circular na UE, ao qual se segue agora a aprovação do plano de trabalho da Comissão Europeia 2025-2030 sobre este tema, existem ainda muitos passos que serão necessários até que, enquanto consumidores ou enquanto partes interessadas no debate, comecemos a ver os resultados a serem uma realidade. Ainda há muitas batalhas a travar, sendo fundamental garantir a transparência dos processos e uma ampla participação das partes interessadas, entre elas os representantes da sociedade civil, de forma que o resultado vá ao encontro das expectativas criadas em relação a este documento legislativo.

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