O ruído que nos corrói
Sempre se soube que o ruído era incomodativo. Uma banalidade. Mas já se sabia menos que o ruído pode ser causa de graves afectações da saúde e que nos podemos falsamente habituar a ele sem nos darmos conta dos efeitos danosos que a sua imposição no dia-a-dia nos traz.
É por isso que o ruído tem merecido a atenção das políticas públicas e a tomada de medidas. Por exemplo, o afastamento de actividades ruidosas das zonas residenciais, escolas ou hospitais está claramente consagrado nas regras de licenciamento e na sinalética de trânsito. Abrem-se excepções apenas em contextos pontuais, como festividades ou práticas celebratórias.
O problema ganha outros contornos quando se utiliza quotidianamente a emissão sonora elevada em espaço público, tal como acontece com os cada vez mais generalizados amplificadores portáteis no espaço de uso comum – ruas, jardins, praias -, ou com a instalação intencional de escapes ruidosos em automóveis e motociclos.
É este ruído difuso, agressivo e sistematicamente incontrolável e impune que levou recentemente à necessidade de medidas públicas comunitárias para o limitar – seja aquele que é produzido por práticas recreativas abusivas e constantes no espaço público, seja o que advém da utilização de escapes especialmente preparados para fazer ruído tanto em automóveis como sobretudo motas, apesar de proibidos por lei.
Por este motivo a UE produziu uma directiva para todos os Estados obrigando-os a fiscalizar o ruído produzido pelas motas, dado que a inspecção periódica obrigatória aos automóveis já o deveria fazer com eficácia. Contudo, receando as consequências políticas desta medida absolutamente racional e necessária junto desse fenómeno social que constitui o chamado ‘mundo motard’ ou especificamente uma certa parte dele, os países atrasaram-se no cumprimento das suas obrigações comunitárias. No caso francês esse atraso levou mesmo um movimento de cidadãos a pôr o Estado em tribunal por inacção governativa. E em Portugal, quando se pretendeu sujeitar as motas a uma inspecção periódica obrigatória, assistiu-se a lamentáveis manifestações públicas de motards marcadas pela insistência agressiva em produzir elevado ruído com os escapes das motas.
A mudança é absolutamente indispensável e não pode tardar. O ruído dos escapes atinge transversalmente a saúde pública, cívica e política. Espera-se que o novo governo assuma a legislação europeia e prepare conveniente e faseadamente as medidas necessárias e inevitáveis.