O valor da experiência: cidadania ambiental em todas as idades

O valor da experiência: cidadania ambiental em todas as idades

Portugal está a envelhecer a um ritmo acelerado. Em 2023, o país registava 188 idosos por cada 100 jovens, com mais de 2,5 milhões de pessoas com 65 anos ou mais, um crescimento superior a 2% ao ano desde 2019. Paralelamente, mais de um milhão de portugueses vivem sós — e mais de metade são idosos. Estes dados da PORDATA desenham um retrato claro: somos uma sociedade onde o envelhecimento e o isolamento caminham lado a lado, com implicações profundas nos domínios social, económico e ambiental.

Neste contexto, mobilizar a população com mais experiência de vida para os desafios ambientais — como a separação de embalagens para reciclagem, a prevenção de resíduos e a adoção de comportamentos mais sustentáveis — é simultaneamente um imperativo e uma oportunidade. A integração dos idosos nas soluções para o futuro ambiental do país pode ser uma poderosa via de participação social e de valorização da experiência intergeracional.

Desafios e vulnerabilidades que é preciso reconhecer

Contudo, os obstáculos são reais. Um estudo do ICS-ULisboa/OBSERVA revela que 30% dos portugueses com 65 ou mais anos não têm o hábito de separar resíduos, e que 43% apontam a distância aos ecopontos como o principal motivo para tal. Numa análise mais particular, verificou-se que são as pessoas com 65 ou mais anos quem menos está disposta a fazer a separação de biorresíduos em casa. Também surgem dúvidas sobre como separar corretamente, especialmente entre os residentes em zonas rurais ou em moradias isoladas. A falta de acessibilidade e a escassez de informação adaptada a esta faixa etária tornam-se, assim, barreiras à mudança.

É preciso compreender que o comportamento ambiental destas pessoas está muitas vezes condicionado por fatores estruturais: níveis de escolaridade mais baixos, limitações físicas, menor acesso digital e, frequentemente, baixos rendimentos. As mulheres, que vivem mais tempo, mas em piores condições de saúde e com maior risco de pobreza e exclusão social (dados do Instituto Ricardo Jorge), enfrentam uma dupla vulnerabilidade.

Ainda assim, existe margem e motivação para agir. A Organização Mundial da Saúde promove o conceito de envelhecimento ativo, defendendo a participação social como um dos seus pilares. Em Portugal, o Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2023-2026, com mais de 130 atividades previstas, aponta caminhos para a inclusão dos idosos em várias dimensões da vida coletiva. No entanto, o envolvimento da população sénior em causas ambientais continua ausente da maioria destas iniciativas.

Reformados com energia: uma força por mobilizar

É aqui que se abre uma oportunidade:  envolver a população sénior em práticas ambientais pode não só contribuir para a sustentabilidade, como promover o seu bem-estar, combater o isolamento e valorizar os seus saberes. Projetos como oficinas de reutilização, hortas comunitárias, ações de sensibilização adaptadas à realidade sénior e circuitos de recolha porta-a-porta podem fazer a diferença. Mais do que informar, é preciso capacitar e incluir.

(...) envolver a população sénior em práticas ambientais pode não só contribuir para a sustentabilidade, como promover o seu bem-estar, combater o isolamento e valorizar os seus saberes.

Os lares e estruturas residenciais para idosos (ERPI) — que acolhem cerca de 100 mil pessoas — podem ser também lugares privilegiados de intervenção. Com equipas motivadas e recursos adequados, estas instituições podem liderar práticas sustentáveis no quotidiano, desde a separação de resíduos até à redução do desperdício alimentar. Existem experiências que demonstram que, quando bem acompanhada, a população sénior adere com entusiasmo a estas dinâmicas.

Além disso, os recém-reformados — mais de 100 mil em 2023, entre setor público e privado — representam uma faixa com tempo, disponibilidade e, muitas vezes, vontade de participar em causas com impacto. A criação de programas de voluntariado ambiental sénior, integrados em municípios ou organizações da sociedade civil, pode ser uma resposta criativa ao duplo desafio da participação ativa e da transição ecológica.

O futuro sustentável de Portugal passa, inevitavelmente, por integrar todos, sem complexos de idade. Com quase o dobro dos idosos face aos jovens, somos uma sociedade que não pode deixar os mais velhos à margem da transformação ecológica. E mais do que uma responsabilidade, isso é uma oportunidade: porque quem muito viveu, muito pode ensinar — inclusive sobre como cuidar do planeta.

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