Os custos que ainda pesam sobre a partilha de energia
Os projetos de autoconsumo coletivo e individual e as comunidades de energia renovável estão isentos do pagamento dos custos de interesse económico geral (CIEG), mas será suficiente para promover o desenvolvimento destes projetos de produção descentralizada, tão importantes para a transição energética?
Os CIEG correspondem aos encargos decorrentes da adoção de medidas de política energética e ambiental e que, por configurarem um desígnio coletivo, social e de interesse geral, são suportados por todos os consumidores. Este custo é definido todos os anos pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e é uma das componentes das Tarifas de Acesso às Redes (TAR) que pagamos na nossa fatura de energia elétrica. As TAR são a soma de três tarifas: a tarifa de Uso Global do Sistema, a tarifa de Uso da Rede de Transporte e a tarifa de Uso da Rede de Distribuição. Os CIEG são uma parcela da tarifa de Uso Global do Sistema. Em 2024, os CIEG correspondem a cerca de 43% do valor do custo das TAR que os comercializadores cobram na fatura (e entregam aos operadores de rede).
Autoconsumo define o consumo assegurado por energia elétrica produzida por uma ou mais Unidades de Produção de Autoconsumo (UPAC) e realizado por um ou mais autoconsumidores de energia renovável. Existem dois tipos de sistemas de autoconsumo: o autoconsumo individual (ACI) e o autoconsumo coletivo (ACC). O autoconsumo coletivo refere-se normalmente a UPAC instaladas nos edifícios onde a energia produzida vai ser consumida, ou na sua proximidade. Pontos de consumo e unidades de produção normalmente estão ligados entre si através da Rede Elétrica de Serviço Público (RESP). A RESP é custeada por todos os consumidores de energia elétrica através das Tarifas de Acesso às Redes. Fechámos o círculo.
Desde 2020 são definidas as tarifas de Acesso às Redes a aplicar ao autoconsumo de energia elétrica através da rede de serviço público (RESP). Estas tarifas caracterizam-se pelo facto de descontarem parcialmente as tarifas de Uso das Redes de transporte e distribuição em função das características do projeto de ACC. Complementarmente, as tarifas podem ainda beneficiar de isenções específicas nos CIEG.
Em 2020, foi estabelecida a dedução dos encargos com os CIEG para os projetos de ACC e de comunidades de energia renovável (CER), através do Despacho n.º 6453/2020, de 19 de junho, que estaria em vigor até ao final de 2022. O Despacho n.º 1177/2024, de 31 de janeiro, assegura a continuação desta isenção e alarga-a para os projetos de autoconsumo individual. Isto é, os novos projetos de autoconsumo individual (ACI), coletivo (ACC) e CER veiculado através da RESP ficam isentos de pagamento 100% de encargos de CIEG. Esta isenção vigora por um período de sete anos a contar da data de início de exploração do projeto de autoconsumo ou de CER. Encontrámos a ligação.
Na prática esta isenção resulta para projetos de ACC numa redução de 0,0078€/kWh nas tarifas de acesso às redes pela energia partilhada entre pontos de produção e consumo, em projetos em baixa tensão normal. Parecem boas notícias, mas (e infelizmente há um “mas”), os CIEG são apenas uma das componentes da Tarifa de Acesso às Redes aplicadas à partilha de energia pela RESP.
Aplicando esta isenção a um caso prático de partilha de energia entre prédios de habitação, um ACI tem um tempo de retorno de investimento de 3 a 4 anos e um ACC tem um tempo de retorno de 4,5 a 7 anos. Sem esta isenção o tempo de retorno do investimento sobe para entre os 5 e os 9 anos. A isenção é bem-vinda, mas não chega.
A publicação em lei do modelo de produção de energia renovável para autoconsumo coletivo criou uma expectativa nos cidadãos que é defraudada pelos números. A expectativa de ganhos pela agregação de consumidores na mesma unidade de autoconsumo ainda não se concretiza na diminuição do tempo de retorno do investimento.
Para um projeto de autoconsumo coletivo em ambiente urbano, é preciso juntar vizinhos, famílias, sensibilidades e expectativas. É preciso promover reuniões de bairro, o que pode revelar-se bastante difícil. É preciso responder a questões sobre como vamos financiar, como vamos partilhar a energia produzida, quem vai fazer o regulamento interno, quem fica responsável pelo projeto junto da DGEG e a E-Redes, quem vai receber as faturas da E-Redes com as TAR da partilha de energia para pagar? Quem tem conhecimentos para isto entre os vizinhos?
No meio de todas estas questões certamente surgirá a pergunta inevitável, o que ganho eu por me juntar com os vizinhos do bairro? Era aqui que precisávamos que o facto de nos juntarmos com os vizinhos do bairro fosse muito mais vantajoso do ponto de vista económico do que cada um produzir energia apenas para si e para a sua casa. Era aqui que os números podiam ajudar a justificar trabalharmos todos juntos, a dar ânimo a quem está a puxar pelo projeto, mas os números não nos vão ajudar.
Precisamos mais do que a isenção dos CIEG nas TAR para que os projetos de partilha de energia comecem a surgir nos nossos bairros, no modelo de autoconsumo coletivo ou associados em comunidades de energia. Por exemplo, em Espanha a partilha de energia está isenta de tarifa de acesso às redes num raio de 2km para sistemas fotovoltaicos instalados em telhados. Esta isenção diminui para uma distância de 500 metros no caso de sistemas fotovoltaicos instalados em solo e todas as outras tecnologias de produção renovável. Esta é uma das abordagens possíveis e certamente existirão outras. Para termos os cidadãos a bordo, é importante simplificar modelos, abordagens e diminuir incertezas. É este o caminho que temos de seguir se a partilha de energia nas comunidades for mesmo um objetivo da política energética nacional.