
Os novos (ou não) mecanismos/apoios na remuneração da produção de eletricidade
Os mercados elétricos diários europeus têm assistido a discussões sobre a necessidade da sua revisão. Entre várias alternativas que têm vindo a ser propostas, aparece a contratação a prazo, nomeadamente os Power Purchase Agreements (PPA) de mercado e os Contracts For Difference (CFD) verificando-se que, nestes últimos, os produtores reclamam a introdução de garantia soberana, leia-se Garantia de Estado, ou seja, com impacto nos orçamentos públicos (dos contribuintes ou dos consumidores).
Os PPA são contratos privados de compra de eletricidade entre produtores e consumidores ou comercializadores (tipicamente a longo prazo), portanto, sem impacto direto nos orçamentos públicos, mas requerem contrapartes financeiramente sólidas, têm risco de crédito e liquidez do comprador e são pouco acessíveis a pequenas e médias empresas ou comercializadores mais pequenos.
Os CFD com garantia soberana são outra coisa! Podem estes originar ou impor custos e responsabilidades indesejadas aos orçamentos públicos? Sim, podem! “Se é certo que o apoio público, através da criação de condições para a realização e generalização de PPA, pode revelar-se necessário para viabilizar novo investimento em solar e eólico, não é menos verdade que esse apoio, sobretudo se recorrer a CFD, pode impor custos indesejados ao sistema, os famosos CIEG” - quem o afirma, e bem, é um antigo secretário de estado da energia.
E corre-se o risco de originarem custos tão elevados como os atuais CIEG, que atualmente resultaram (na sua grande parte) das tarifas garantidas, as Feed-in Tarifs (FIT), se mal arquitetados, apenas assegurando a manutenção de condições financeiras para a realização do investimento em renováveis, sem atender às necessidades do sistema, olhando só para os interesses de quem produz.
Mas afinal o que é um CFD (Contrato por Diferenças, em português)?
É um mecanismo contratual para determinação da remuneração de uma determinada matéria-prima ou produto (no caso que falamos, a energia elétrica). Um CFD é um mecanismo em que um produtor de eletricidade e a contraparte (podendo ser o Estado ou o Operador de mercado) acordam um preço fixo para a energia, chamado Strike Price. O produtor continua a vender a energia ao preço de mercado (market price), mas a diferença entre esse preço e o strike price é compensada entre as partes.
E o que é uma garantia soberana?
É uma garantia “de nível máximo”, que elimina o risco para o produtor, normalmente dada pelo Estado (todos nós, os contribuintes) ou garantida por lei pelo Sistema Elétrico (SE), ou seja, todos nós, os consumidores.
E como funciona um CFD?
Se for um CFD unidirecional (ver Figura 1), o Estado/SE paga ao produtor a diferença entre preço de mercado e o do Strike Price se o primeiro for inferior ao segundo.
Funciona como as tarifas garantidas do tipo “feed-in-premium”, que foram vulgares em Espanha.
Quanto menor for o valor do Strike Price, menos custos para os consumidores (área rosa).
Mas existem também os CFD bidirecionais. A Figura 2 mostra a diferença entre os primeiros e os bidirecionais. Se o CFD for bidirecional, junta-se mais uma regra: se o preço de mercado estiver acima do Strike Price, o produtor devolve a diferença ao Estado/SE, e o resultado final para o produtor é receber sempre o mesmo preço (o do Strike Price).
Este é rigorosamente o mesmo funcionamento das tarifas garantidas do tipo FiT - “Feed-In Tarif” que são, de longe, os principais custos atuais dos CIEG e do volumoso Déficit Tarifário. Na Figura 3, mostra-se como funciona o CFD Bidirecional em função da definição do Strike Price.
Podem incluir-se limitadores (nos dois sentidos da diferença para o Strike Price), que são o Floor Price e o Cap Price (Figura 4). Nestes contratos, sempre que o preço de mercado estiver entre os dois, não há qualquer pagamento/devolução ao produtor.
Finalmente, num eixo temporal, a Figura 5 mostra como funcionam os CFD bidirecionais, sem e com os dois limitadores.
Em resumo:
Sim, os CFD, se arquitetados olhando só para os interesses de quem produz, vão originar novamente grandes custos para os consumidores e/ou contribuintes, os famosos CIEG.
(...) os CFD, se arquitetados olhando só para os interesses de quem produz, vão originar novamente grandes custos para os consumidores e/ou contribuintes, os famosos CIEG.
E, em particular, isso vai acontecer necessariamente com os anunciados e elevadíssimos novos investimentos na energia eólica offshore, pois, para esses, os Strike Prices serão bem maiores que o atual preço da eletricidade em mercado.
E a associação representativa dos produtores já veio reclamar que “o Governo em funções deve continuar a legislar sobre as questões mais prementes, quer seja no que tem implicações imediatas, como o estabelecimento do interesse público prevalecente das renováveis através da transposição da Diretiva RED III, quer seja na definição dos mecanismos do mercado elétrico a prazo com o estabelecimento de CFD (Contratos por Diferenças) e PPA (Contratos de Aquisição de Energia)”.
E preguntar-se-á? Ganhará o País? Não, de todo, se a sua indústria for novamente carregada com os preços elevados desta eletricidade! Dirão alguns que se irá criar um cluster industrial especializado na metalomecânica pesada marítima. Também não, pois o que acontecerá será a vinda dos grandes operadores/construtores de plataformas petrolíferas/gasistas marítimas do mar do Norte, da Coreia e da China com décadas de experiência acumulada (basta ver como foi construído o cabo do parque ao lardo de Viana do Castelo).
Os consumidores e contribuintes não vão aceitar que toda esta miragem e engano aconteça novamente!