
Para uma mobilidade (ainda) mais circular
Em junho passado, o Conselho da União Europeia adotou a sua posição sobre a proposta de regulamento relativa à gestão de veículos em fim de vida (VFV), que se encontra na reta final para aprovação pelas instâncias europeias. Esta proposta pretende aumentar o nível de circularidade do automóvel (atualmente já muito significativo, a título de exemplo, em 2024, a REDE VALORCAR valorizou, em média, 94% de cada VFV) e promover a competitividade dos fabricantes e recicladores europeus.
Entre as principais novidades face à legislação em vigor, merecem especial destaque as medidas para aumentar a reciclagem dos plásticos, dado que estes materiais (comparativamente a outros usados nos veículos, como os metais, a borracha ou o vidro) apresentam maiores desafios no que respeita ao seu reaproveitamento.
Para estimular a procura de plásticos reciclados pós-consumo, serão estabelecidas percentagens mínimas (da massa total de plásticos presentes no veículo) para a incorporação destes materiais em veículos novos, crescentes ao longo do tempo (...)
Para estimular a procura de plásticos reciclados pós-consumo, serão estabelecidas percentagens mínimas (da massa total de plásticos presentes no veículo) para a incorporação destes materiais em veículos novos, crescentes ao longo do tempo: 15% ao fim de 6 anos, aumentando até aos 25% após 10 anos. Adicionalmente, 25% destes plásticos reciclados deverão ser provenientes de VFV.
Por outro lado, para aumentar a oferta de resíduos de plástico disponíveis para reciclagem, será também fixada uma meta de reciclagem de 30% específica para os plásticos dos VFV que devem ser separados e reciclados.
Estas medidas direcionadas para os plásticos podem constituir uma oportunidade para as empresas nacionais de reciclagem de plásticos e de fabrico de componentes automóveis. Os recicladores deverão ver aumentar o volume de resíduos disponíveis para processamento, bem como os preços atingidos pelos plásticos reciclados de melhor qualidade. Os fabricantes de componentes automóveis, para se manterem competitivos, deverão conceber e fabricar componentes que incorporem maiores quantidades de plásticos reciclados. Poderão também existir parcerias intersetoriais que permitam encontrar soluções para os desafios existentes e maximizar os benefícios para as partes envolvidas.
Além das medidas focadas nos plásticos, o futuro regulamento trará ainda outras novidades relevantes para a gestão dos VFV, elencadas de seguida.
Os veículos novos, dando continuidade à estratégia iniciada com o regulamento sobre gestão de resíduos de baterias, passarão a ter um passaporte digital que, entre outros, disponibilizará informação sobre a composição material de vários componentes e a estratégia do produtor para a circularidade.
Será reforçada a obrigatoriedade de os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da UE, que darão origem a VFV em Portugal, pagarem o eco valor à VALORCAR, evitando penalizar financeiramente os importadores cumpridores.
(...) os fragmentadores terão de continuar a investir em tecnologias que permitam separar e valorizar estes resíduos, internamente ou através de parcerias com outras empresas.
Os fragmentadores de VFV verão aumentadas as restrições à fragmentação de VFV, em conjunto com outros resíduos, e deixará de ser possível enviar para aterro resíduos de fragmentação de VFV não inertes. Os resíduos de fragmentação, que contêm plásticos, borrachas e espumas, constituem uma fração não metálica separada após fragmentação da carcaça do VFV já desprovido dos materiais e componentes sujeitos a desmantelamento prévio obrigatório. Um dos principais desafios colocados atualmente à gestão de VFV passa por separar estes resíduos nas seguintes frações: plásticos para reciclagem, mistura combustível e inertes. Atualmente, a VALORCAR já avalia o desempenho de cada fragmentador relativamente à valorização dos resíduos de fragmentação, sendo este também refletido no desempenho dos desmanteladores seus fornecedores de carcaças de VFV. Deste modo, os fragmentadores terão de continuar a investir em tecnologias que permitam separar e valorizar estes resíduos, internamente ou através de parcerias com outras empresas.
A venda de toda e qualquer peça usada terá de ser acompanhada de um rótulo com a identificação do desmantelador autorizado que removeu a peça usada e do número de quadro do VFV do qual a peça foi removida. Deste modo, os desmanteladores de VFV que pretenderem continuar a vender peças usadas para reutilização terão de possuir sistemas informáticos e implementar processos de trabalho que lhes permitam dispor desta informação em formato digital. Em paralelo, ao disporem destas ferramentas, poderão mais facilmente vender peças online para o mercado global e aumentar significativamente as receitas e a taxa de reutilização dos seus VFV. Por outro lado, esta obrigação, conjugada com o reforço da fiscalização do desmantelamento ilegal, permitirá às autoridades inspetivas um maior controlo do cumprimento da atual proibição, existente na legislação nacional, de venda de peças usadas não provenientes de desmanteladores licenciados.
Por estes motivos, perspetiva-se que o novo regulamento virá dar um novo impulso à estratégia europeia para a reciclagem de VFV, baseada na responsabilidade alargada do produtor e iniciada há 25 anos com a Diretiva 2000/53. Além de promover uma mobilidade (ainda) mais circular, apresenta também oportunidades para aumentar a competitividade das empresas nacionais ligadas ao ciclo de vida do automóvel.