Proposta de transposição da RED III - uma oportunidade fundamental para mitigar divisões e conflitos crescentes
A denominada Diretiva RED III (do inglês Renewable Energy Directive em conjugação por corresponder a uma terceira versão), corresponde à Diretiva (UE) 2023/2413, de 18 de outubro de 2023, decorrendo de um historial de legislação que se iniciou em 1998 e passou por outros passos relevantes em 2001 e 2015. Esta Diretiva das Energias Renováveis III (RED III) define metas ambiciosas para a promoção e utilização de energias renováveis na União Europeia e tem como objetivo acelerar a adoção de energia renovável, estabelecendo uma meta vinculativa a de incorporação desta energia de, pelo menos, 42,5% do consumo energético total da União até 2030. O acordo com o Conselho Europeu prevê ainda uma margem adicional de 2,5%, à discrição dos Estados-Membros, com vista a alcançar uma meta global de 45%. Os Estados-Membros deverão transpor as disposições da RED III para a legislação nacional no prazo de 18 meses após a sua entrada em vigor e designar pelo menos uma zona de aceleração de renováveis no prazo de 27 meses.
Os Estados-Membros deverão transpor as disposições da RED III para a legislação nacional no prazo de 18 meses após a sua entrada em vigor e designar pelo menos uma zona de aceleração de renováveis no prazo de 27 meses
Em linha com o primeiro prazo de transposição, os Estados-Membros devem implementar reformas específicas no procedimento de concessão de licenças para a sua legislação nacional, bem como, quando aplicável, nos seus Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC). Portugal deve, igualmente, submeter alterações para refletir o planeamento, construção e operação de centrais de energias renováveis como sendo de ‘interesse público superior’.
Assim sendo, esteve em consulta pública a proposta do governo relativa à transposição parcial deste documento, onde vale a pena destacar alguns dos artigos mais relevantes relacionados com a aceleração da emissão de licenças para projetos de energia eólica e solar, em conformidade com esta primeira fase da transposição.
O cerne desta legislação é simplificar processos, com ênfase na sua componente ambiental, pressupondo-se que esse é o principal obstáculo à rapidez da implementação de renováveis (quando é por demais evidente que os atrasos se prendem do lado do licenciamento da Direção-Geral de Energia e Geologia ou na indisponibilidade de pontos de rede). Mais ainda, encurtam-se tempos de resposta a uma administração sem recursos, nalguns aspetos vai-se mais longe na regulamentação de aspetos não requeridos nesta fase, e, em última linha, só arriscamos a originar mais conflitos futuros entre a população e a natureza e os promotores, pondo em causa um consenso que é crucial para uma verdadeira aceleração indispensável da instalação de renováveis em Portugal.
O cerne desta legislação é simplificar processos, com ênfase na sua componente ambiental, pressupondo-se que esse é o principal obstáculo à rapidez da implementação de renováveis (...) só arriscamos a originar mais conflitos futuros entre a população e a natureza e os promotores
Como exemplo, refira-se que na designação de zonas para a rede e o armazenamento, o artigo 15º-E, nº 2, da RED III permite nos projetos de rede e de armazenamento necessários para integrar a energia renovável no sistema elétrico, em circunstâncias justificadas, a isenção da avaliação de impacte ambiental nos termos da Diretiva europeia de Avaliação de Impacte Ambiental, da avaliação das suas implicações para os sítios em Rede Natura 2000, e da avaliação das suas implicações para a proteção das espécies. Na transposição para o ordenamento jurídico português, esta isenção não está claramente limitada a projetos de rede e de armazenamento, nem a circunstâncias justificadas. Além de esclarecer estes pontos, é importante que nos casos em que já exista uma avaliação ambiental estratégica (AAE), tal não substitua a necessidade de submeter os projetos incluídos a uma avaliação de impacto ambiental (AIA).
Em termos de transparência, não se consegue identificar como vai ocorrer o acesso dos promotores e do público em geral a processos judiciais simplificados para a resolução de litígios relativos à concessão e emissão de licenças, à disponibilização de procedimentos administrativos e judiciais mais rápidos para o desenvolvimento de centrais renováveis e ligação à rede e à melhoria das competências das autoridades competentes na concessão de licenças. A ausência destes aspetos é preocupante, uma vez que, a simplificação dos processos administrativos e a requalificação das autoridades competentes são cruciais para acelerar os processos de licenciamento e para alcançar as metas nacionais em matéria de energias renováveis. Finalmente, o ponto 9 do Artigo 16º da RED III, que exige aos Estados-Membros a disponibilização das decisões dos processos de licenciamento ao público, não foi incluído na transposição portuguesa.
No que respeita à concessão de licenças para reequipamento, na proposta de transposição do Artigo 16º-C, nº1 da RED III, observa-se uma diferença significativa no que diz respeito ao aumento de capacidade permitida dentro do prazo estipulado para licenciamento. Enquanto a RED III estabelece um limite de 15%, a transposição para a legislação portuguesa é mais permissiva, fixando este limite em 20%. O princípio geral da simplificação e aceleração do processo de licenciamento é mantido, com a estipulação de um prazo máximo de três meses, salvo exceções relacionadas com questões de segurança ou avaliações ambientais. Este ponto é positivo, especialmente no contexto de Portugal, onde as metas estabelecidas no PNEC para parques eólicos onshore são ambiciosas e há atrasos nos projetos de reequipamento dos parques existentes. Como esses projetos já foram sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) e não havendo aumento da área de implantação, é favorável que se estabeleça um limite superior ao previsto na diretiva. Porém, enquanto a RED III isenta os reequipamentos solares de procedimentos de AIA desde que não utilizem espaço adicional e respeitem as medidas de mitigação aplicáveis, a legislação portuguesa, apesar de abordar as centrais eólicas com uma listagem detalhada de requisitos, que não se encontram na Diretiva, não define claramente esses critérios para projetos solares. Esta omissão representa uma falha na transposição completa deste artigo, já que o setor solar é o único expressamente mencionado na RED III, e as condições para a isenção deveriam ser claramente delineadas.
No que respeita à concessão de licenças para instalações solares em estruturas artificiais, o principal ponto positivo da transposição do 1º ponto do artigo 16º-D da RED III é a adaptação eficiente dos prazos e critérios da RED III para o contexto português, assegurando que o processo de licenciamento para projetos de energia solar integrados em estruturas artificiais seja acelerado e simplificado. Contudo, de notar que, para garantir a transparência e previsibilidade no processo de licenciamento, seria útil fornecer orientações mais detalhadas sobre as condições específicas que permitem a aplicação das exceções, devendo incluir também como exceção as áreas artificializadas que venham a ser definidas como áreas para restauro da natureza, no âmbito do Regulamento Europeu para o Restauro da Natureza. Esta ausência pode gerar incerteza no processo de licenciamento de projetos de maior dimensão, prejudicando a previsibilidade e a celeridade que a diretiva pretende garantir. Seria recomendável que a legislação portuguesa estabelecesse um prazo máximo claro também para essas instalações, a fim de assegurar a coerência e eficiência do procedimento de licenciamento, independentemente da capacidade da instalação.
A transposição da Diretiva RED III em Portugal representa uma oportunidade crucial para aprimorar a legislação e melhorar a sua aplicação
A transposição da Diretiva RED III em Portugal representa uma oportunidade crucial para aprimorar a legislação e melhorar a sua aplicação, garantindo uma implementação mais rápida e eficaz das energias renováveis sustentáveis. É imperativo que esta transposição não apenas avance na adoção de energias renováveis, mas também maximize a participação dos cidadãos e das comunidades locais, promovendo sinergias com a proteção da biodiversidade.
Portugal deve encarar esta revisão como uma oportunidade para liderar a transição energética com ambição e responsabilidade, avançando de forma decisiva, mas ponderada rumo a um futuro ambientalmente sustentável e socialmente justo.