Quando o Ministério Público dá razão às queixas de Covas do Barroso
Desde o início de 2019, altura em que se começou a falar publicamente sobre um grande projeto de exploração de lítio em Covas do Barroso e da sua importância no alavancar de forma clara a economia nacional ao colocar o país entre os grandes na exploração de lítio, muitas foram as interrogações que surgiram por parte de ambientalistas e população de áreas potenciais para exploração deste mineral, como Covas do Barroso e Serra de Arga. Por um lado, o impacte ambiental de uma exploração desta natureza, a céu aberto e a poucas centenas de metros de um aglomerado populacional, numa área classificada como Património Agrícola Mundial, com evidentes fragilidades do ponto de vista do impacte sobre espécies relevantes, como é o caso do lobo-ibérico ou o mexilhão-de-rio. Por outro, a inexistência de uma Avaliação Ambiental Estratégica que permitisse identificar os locais onde a eventual exploração deste tipo de massas minerais seria menos suscetível de conflitos com os instrumentos de ordenamento do território e, em especial, para com as populações residentes nesses territórios, assim como um quadro de diálogo transparente entre todos os interessados.
Este é um projeto cujo processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) se arrastou ao longo de vários anos, com inúmeros avanços e recuos, reformulação de projeto e um duvidoso prolongamento de prazos, até que a decisão final chegou em maio de 2023. Uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada, como tantas outras que alegadamente conseguem compatibilizar, minimizar e compensar todo o tipo de impactes, por maiores que eles sejam. Esta decisão agradou a muitos, especialmente ao promotor e ao desígnio nacional de criar um cluster do lítio, mas não aos principais interessados, os cidadãos de Covas do Barroso. Acreditando na justiça, avançaram com uma ação judicial iniciada pela Junta de Freguesia de Covas do Barroso para anular a DIA atribuída ao projeto da Savannah Resources.
No entanto, no âmbito deste processo e tal como foi publicamente já veiculado, o Ministério Público (MP) enviou um requerimento ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no qual considera que “o ato administrativo corporizado na DIA erra manifestamente de facto e de Direito e padece de vício conducente à anulabilidade”. Esta posição, embora não vinculativa, faz sobressair um conjunto de pontos que reforçam as preocupações que foram apresentadas por parte de organizações ambientais. Eu destacaria cinco pontos.
Num primeiro ponto, destaco a ênfase que o MP colocada no impacte sobre o estatuto de Património Agrícola Mundial. A DIA reconhece o impacte da atividade mineira e aponta para o risco de este ser desclassificado, pelo que segundo o MP a decisão favorável condicionada viola as obrigações assumidas pelo Estado junto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Num segundo ponto, para o MP existe uma omissão do articulado do Decreto-Lei n.º 30/2021 que não permite a revelação e aproveitamento de recursos minerais em território SIPAM - Sistemas Importantes do Património Agrícola Mundial, que foi considerado nas Avaliações Ambientais Estratégicas ao PEPAC e ao Programa de Prospeção e Pesquisa de Lítio, mas não foi tido em consideração neste processo de AIA que é posterior.
O terceiro ponto prende-se com a área necessária para o projeto. Segundo o MP, existe um erro na avaliação. É referido que a área necessária ao projeto é de 851 ha, muito superior à área de afetação imediata, de 593ha, pelo que falta avaliar o que acontece na área mais ampla. Acresce que alegar que é uma ampliação, desvirtua a avaliação de impactes negativos, dado que o projeto é algo completamente novo.
O quarto ponto vai ao encontro dos efeitos cumulativos e eventual fracionamento do projeto. A DIA não pondera o impacto cumulativo do projeto conjuntamente com a Mina do Romano, a poucos quilómetros de distância, nem os resultantes da nova estrada de acesso ao projeto.
E por fim, um quinto ponto, em que o lobo é o centro das atenções. Segundo o MP, as medidas propostas para mitigar e compensar os efeitos sobre o lobo ibérico carecem de demonstração de efetividade, sendo remetidas para o procedimento de verificação de conformidade (RECAPE), o que constitui uma violação do regime jurídico de proteção do lobo ibérico no quadro da Diretiva Habitats.
Face ao exposto, esta posição do MP dá alento à população de Covas do Barroso e coloca a tónica na importância de se refletir sobre o procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental, de forma a introduzir a melhorias necessárias para credibilizar um processo que se pretende transparente e sem suspeitas de intromissão política.