Tal como os recursos, o tempo também se está a esgotar

Tal como os recursos, o tempo também se está a esgotar

De acordo com os dados oficiais mais recentes, Portugal dispõe apenas de 14% de capacidade disponível em aterro, colocando o país, segundo o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, “num estado de emergência no que toca à gestão de resíduos depositados em aterro”.

Esta situação é particularmente grave e crítica devido ao elevado nível de dependência do País desse destino final de mais metade dos resíduos urbanos produzidos (em 2023, 59% dos resíduos produzidos em Portugal continental foram depositados em aterro, 57%, incluindo as Regiões Autónomas).

O que significa que, a manter-se esta tendência, constante há mais de dez anos, se nada estrutural for feito, em 2035 teremos nada mais nada menos que uma taxa de deposição em aterro de 64,82%, de acordo com um cálculo simples da variação média dessa taxa, nos últimos 5 anos, situação absolutamente inaceitável à luz da obrigação a que Portugal se encontra sujeito, de limitar a deposição em aterro a 10% do total de resíduos produzidos até 2035.

Para os agentes e operadores do setor dos resíduos urbanos, sendo uma situação muito grave, não se trata propriamente de uma novidade. Há já vários anos, têm vindo a alertar no sentido de ser encarada com a seriedade que merece, apresentando aos vários Governos que se têm sucedido estudos, propostas de solução e planos de ação.

Sem prejuízo da importância de promover a otimização das infraestruturas existentes, de incrementar significativamente a recolha seletiva dos fluxos específicos de resíduos, em especial dos biorresíduos, ainda numa fase incipiente que importa incrementar, bem como de todos os instrumentos que permitam uma mudança mais impactante do comportamento da população, que tem um papel decisivo para o sucesso do desempenho da gestão de resíduos urbanos, não se pode continuar a ignorar em Portugal o inegável contributo da valorização energética de resíduos urbanos inevitáveis e insuscetíveis de reciclagem para a redução da dependência da deposição em aterro.

É-o em todos os Estados-membros que dispõem de instalações de valorização energética por incineração dedicada de resíduos urbanos e que são os mesmos que apresentam as taxas mais elevadas de reciclagem e as mais baixas de deposição em aterro, atendendo a que esta última deve cingir-se ao mínimo dos resíduos que não possam ser tratados a um nível superior da hierarquia, como a reciclagem ou a valorização energética, que não é o que está a acontecer em Portugal e tem de mudar com uma urgência e assertividade sem precedentes.

(...) não se pode continuar a ignorar em Portugal o inegável contributo da valorização energética de resíduos urbanos inevitáveis e insuscetíveis de reciclagem (...)

Na verdade, a discussão sobre a incineração de resíduos no âmbito dos planos nacionais de gestão de resíduos e dos planos de investimento conexos não é uma discussão sobre a sua adequação tecnológica, mas antes sobre capacidade, porquanto, do ponto de vista tecnológico, o seu desempenho não oferece dúvidas de fiabilidade e segurança ambiental, sendo rigorosa e escrupulosamente escrutinado.

Neste momento, em matéria de resíduos, Portugal enfrenta um dos piores cenários desde a erradicação das lixeiras. É altamente dependente da deposição em aterro cuja capacidade está a esgotar-se, dispõe apenas de duas instalações de valorização energética por incineração dedicada de resíduos urbanos no continente, ambas com mais de 20 anos de existência em laboração contínua e intensa, não tem financiamento e o prazo para cumprir as exigentes metas com que se comprometeu também se está a esgotar.

O que significa que já não há tempo para continuar a discutir o inevitável e inadiável.

Um sistema de gestão de resíduos urbanos eficiente, eficaz e ambientalmente seguro depende da integração de diferentes soluções que se complementam entre si e cuja preponderância deve ser variável em função de diferentes fatores, como densidade populacional, características geográficas, nível de desenvolvimento económico e social, acessibilidades, entre outras especificidades que devem ser tidas em conta no seu planeamento estratégico.

Neste cenário, volvidos mais de 20 anos de investimento, em termos globais, o contributo da recolha seletiva tal como o desempenho das instalações de Tratamento Mecânico e Biológico ainda estão aquém do necessário, a recolha e valorização de biorresíduos tem um longo caminho a percorrer e as instalações de valorização energética continuam a ser as mesmas duas e não terão vida eterna por melhor que sejam mantidas. É preciso assumir que existe um problema nacional para resolver, encontrar e alocar financiamento para dotar o País das condições de que precisa para inverter este quadro depressivo que o setor atravessa, abrangendo a valorização energética, que tem um papel decisivo na diminuição da dependência de aterro para a fração resto através da sua transformação, por via de um processo tecnológico fiável e ambientalmente seguro, num bem de valor inestimável: a energia.

É tempo de abandonar dogmas, cenários irrealistas e utópicos de redução milagrosa em tempo recorde de produção de resíduos, e agir concertadamente em várias frentes e planos, uns de emergência, outros de médio e longo prazo, com o pragmatismo e realismo que a situação exige e de que o País precisa. Os recursos em Portugal serão sempre escassos, não podem ser desperdiçados em incertezas nem em soluções falíveis, porque pura e simplesmente já não temos tempo para (voltar) a falhar.

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