Todos os poluentes são invisíveis mas uns são mais invisíveis do que outros: o caso do ruído

Todos os poluentes são invisíveis mas uns são mais invisíveis do que outros: o caso do ruído

Quando, por qualquer acaso, somos confrontados com os efeitos de um poluente como o Mercúrio, ou dos compostos de Enxofre ou Nitrogénio, ou mais prosaicamente, das altas concentrações de partículas, nem pestanejamos. Quem põe em causa que cerca de 3% das mortes em Portugal seja devida à poluição atmosférica? E nem é necessário que as pessoas possuam grande preocupação ambiental. É autoevidente.

Por outro lado, se se referir que, nos vários efeitos do Ruído, se pode encontrar o stress agudo, o crónico e até a morte, tal conclusão, aos olhos do mais avisado, parece claramente um exagero.

E isso, apesar de ninguém conhecer um único caso concreto de mortes ocasionadas pela poluição do ar, tal como é difícil conhecer um caso de morte provocada pelo ruído. Na realidade não existe nenhum óbito que tenha essas causas declaradas. Ninguém morre de poluição atmosférica tal como ninguém morre devido ao ruído. Tanto num caso como noutro as mortes são resultado de complicações provocadas, em ultima análise,  por um ou outro dos poluentes. E a estimativa das mortes que possuem essa causa provêm de estudos epidemiológicos. Epidemiologia, a tal ciência que todos conhecem, mais, de que nos tornarmos peritos, pelos idos da Covid-19 mas em que apenas acreditamos quando as suas conclusões são consistentes com os nossos (pre)conceitos.

A razão pela qual é fácil acreditar mais nos efeitos de um poluente do que noutro é aquilo que a Psicologia descreve como Modelo Mental.

Como se depreende facilmente, sobre certos assuntos é mais fácil encontrarmos um “modelo” que nos satisfaça, dando a sensação de correção.  Por exemplo “é bem de ver” que um poluente que se respira “deve” provocar “qualquer coisa” no sistema respiratório. Pelo contrário é muito difícil encontrar um modelo simples para explicar o stress crónico, a hipertensão e os enfartes de miocárdio que podem levar a mortes antecipadas devido ao ruído.

A razão pela qual é fácil acreditar mais nos efeitos de um poluente do que noutro é aquilo que a Psicologia descreve como Modelo Mental

Ademais, outro factor ocorre que implica uma dificuldade extra. A diversidade dos contextos e na reação humana é muito grande, pelo que, tanto, quanto aos poluentes do ar, quanto ao ruído, os efeitos negativos existem para uma imensa minoria exposta (geralmente os mais desprotegidos), e dentro dela, nos mais sensíveis a esses poluentes.

De uma forma simples, até para ser mais fácil aos leitores deste escrito criarem um modelo mental do ruído não muito afastado da realidade científica, convém explicar como o ruído, por exemplo dos transportes, pode mesmo provocar efeitos tão nefastos.

O ruído persistente, incontrolável a partir de um certo nível, geralmente cria incomodidade. Esta pode ser persistente e estar relacionada com distúrbios de sono, de algumas atividades e interferências na aprendizagem, que podem ser graves. A resposta cognitiva e emocional, no início, pretende o controle dessa fonte de incómodo e, como isso é amiúde difícil, vai provocar uma reação psicofisiológica a que damos o nome de stress. Se essa reação é continuada então vai aumentar a probabilidade do aparecimento de fatores de risco como a hipertensão, levando, em casos muito graves, a enfartes de miocárdio ou outros problemas cardíacos. Assim não é de estranhar que o ruído causa cerca de 72000 hospitalizações e 16600 mortes prematuras anualmente no espaço europeu. Se pensarmos em anos de vida saudável perdidos os números são impressionantes, a saber 654 mil anos devidos ao incomodo, 903 mil nos distúrbios de sono, e 45000 mil nos problemas cognitivos das crianças. Alguém duvida, que alguns destes efeitos não sejam em Lisboa? E no país?

Não é de estranhar que o ruído causa cerca de 72000 hospitalizações e 16600 mortes prematuras anualmente no espaço europeu

Existe uma peculiaridade interessante na reação ao ruído. As diferentes formas de ruído podem ter a mesma intensidade em termos de decibéis mas não têm a mesma intensidade em termos de reação. Assim para o mesmo nível de ruído o proveniente dos aviões provoca um nível mais alto de efeitos negativos que o proveniente das estradas e este muito mais que os que emanam da circulação ferroviária. 

Tudo isto a propósito do aeroporto de Lisboa e da recusa, por parte dos ecologistas, nomeadamente da Zero, de aceitar o seu plano de ação.

É bem de ver que sobre a presença do aeroporto de Lisboa no centro da dita, é para os peritos em saúde publica e ambiente, uma fonte de … incómodo.

Pelas idas e vindas, pelos atrasos, pelo facto de não se pesar devidamente o valor do sofrimento e pela responsabilidade ser tão repartida, todas as ações tem razão para ser tomadas, ficando sempre as cláusulas de proteção remetidas para as calendas e adendas. A situação é tensa na medida em que os atrasos nas boas decisões e dinâmica dos fatores em presença são de muito difícil conciliação.

Tudo isto a propósito do aeroporto de Lisboa e da recusa, por parte dos ecologistas, nomeadamente da Zero, de aceitar o seu plano de ação

E vão continuar durante muitos anos, exigindo de todos uma abertura, um investimento contínuo, claramente baseado em diagnósticos precisos e, acima de tudo, uma política de abertura e envolvimento das populações e entidades afetadas. Tudo isto tem, até agora, sido confundido com ações de relações públicas.

É enorme o problema, terá que ser enorme o envolvimento.

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