Um Pacto de Regime para o Setor dos Resíduos em Portugal

Um Pacto de Regime para o Setor dos Resíduos em Portugal

Em boa hora o Jornal Água&Ambiente organizou debates com todos os partidos políticos com assento parlamentar sobre energia, resíduos e água.  Felicito, pois, o Jornal, na pessoa do seu Diretor João Belo, por mais esta meritória iniciativa.

Cingindo-me ao tema dos resíduos ficou bem patente o estado da arte em que o setor se encontra. Anos sucessivos sem a devida atenção, planeamento e ação, deixam-nos agora com um triste “retrato de família”.

De facto é preciso avançar rapidamente na próxima legislatura e atrevo-me até a sugerir a necessidade de um pacto de regime e/ou a constituição de uma Task Force para que Portugal avance com a ambição que a União Europeia nos exige.

Senão vejamos sinteticamente.

De acordo com o Relatório Anual de Resíduos Urbanos 2022 (RARU 2022), no que respeita à atividade de gestão e tratamento de resíduos urbanos (RU), apesar de nos últimos anos ter havido um incremento no número de infraestruturas para a recolha seletiva, a mesma não teve os reflexos proporcionais nos quantitativos recolhidos seletivamente, apresentando uma situação de estagnação e mantendo-se a recolha indiferenciada o tipo preferencial para a recolha de RU.

A este cenário junta-se uma taxa muito elevada de deposição em aterro de RU de cerca de 57% do total de RU, muitíssimo distante da meta de 10% de deposição da produção total de RU a atingir até 2035, a que acresce a gravidade da situação dos aterros em Portugal continental cuja capacidade se encontra em vias de esgotamento o que pode traduzir-se num colapso do sistema caso não seja adotado, muito rapidamente, um plano de contingência.

Sem mais delongas sobre o diagnóstico sobejamente conhecido de todos, permitam-me a ousadia de apresentar algumas propostas de atuação que exigem um sério comprometimento e aposta ao nível do investimento nesta área da política pública:

1 - No que respeita à meta de preparação para reutilização e reciclagem (PRR):

É necessário triplicar, praticamente, a capacidade das linhas de triagem e incrementar a recolha seletiva, em especial, a recolha porta-a-porta, o que se traduz num incremento significativo nos valores de investimento atualmente previstos no Portugal 2030 para novas infraestruturas e equipamentos;

É necessário aumentar a capacidade de tratamento de biorresíduos e melhorar o funcionamento das instalações de digestão anaeróbia (DA) e compostagem de biorresíduos, bem como criar condições para assegurar a recolha deste fluxo específico de resíduos, o que implica desafios acrescidos face aos demais;

É necessário aumentar o número de colaboradores;

É necessário investir na digitalização;

É fundamental adequar o valor das contrapartidas financeiras (VC) devidas pela gestão e tratamento do fluxo específico de resíduos de embalagens, da responsabilidade dos agentes responsáveis pela colocação destes produtos no mercado, ao abrigo do regime legal da Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP), que, neste momento, não cobre os custos de investimento, operacionais e de exploração;

É necessário criar um regime jurídico destinado a acomodar a partilha de infraestruturas para a gestão de resíduos urbanos que constitui um serviço público essencial.

2 - No que respeita à meta de deposição em aterro – 10% em 2035 - que constitui uma meta estrutural cujo cumprimento depende da conjugação de praticamente todas as vertentes que envolvem a gestão de aterros:

É urgente definir um plano de curto prazo para encontrar soluções para aumentar a capacidade de aterro que se encontra em vias de esgotamento através de um compromisso nacional e local quanto à definição dos locais mais adequados;

É fundamental aumentar a capacidade de valorização energética (VE) de resíduos urbanos por incineração dedicada, em cerca de 800 mil toneladas, quer porque a atual capacidade não é suficiente tendo em conta a meta de redução significativa de deposição em aterro, quer porque as atuais duas únicas instalações de VE no continente atingirão 35 anos em 2035;

Acresce que a valorização energética consiste num processo de tratamento de resíduos urbanos através do qual estes resíduos são transformados em energia sob um rigoroso escrutínio e permanente avaliação do seu impacto ambiental, contribuindo também para a descarbonização e transição energética;

Também se considera fundamental a necessidade de informação e capacitação da população sobre a importância e papel destas infraestruturas para a manutenção da vida como a conhecemos, com condições de salubridade e qualidade do ambiente;

É muito importante também o apoio a outras soluções, como é o caso da produção de biometano, dado o potencial do país para a sua produção e as condições da rede de distribuição, sendo para o efeito fundamental a criação de um quadro regulatório e tarifário adequado e sustentável. 

Conclusão

Em suma, para melhorar o desempenho da gestão de RU, em alinhamento com a exigência das metas e objetivos nacionais e da UE, atento o enquadramento de urgência climática e ambiental, é necessária uma tomada de consciência política e pública sobre a importância desta atividade para o ambiente e qualidade de vida, e ser elevado o seu lugar, quer ao nível das políticas públicas nacionais, quer das prioridades sociais e ambientais da população e do país.

É deste modo fundamental encontrar uma plataforma de consenso a nível nacional em torno da racionalidade de soluções de partilha de infraestruturas e partilha de benefícios em prol do objetivo coletivo de o País dispor das infraestruturas de gestão de resíduos mais adequadas quanto à sua localização, através de um plano nacional de gestão de aterros, bem como sobre a necessidade de aumentar a capacidade de valorização energética através de incineração dedicada, a par de outras soluções que possam contribuir para a valorização da fração residual e alcançar a meta de deposição em aterro de apenas 10% da produção total de resíduos urbanos.

É igualmente estruturante mobilizar a população para a adequada separação de resíduos de modo a contribuir para o aumento da taxa de reciclabilidade, para o que é igualmente fundamental assegurar a cobertura dos custos que cabem no âmbito da Responsabilidade Alargada do Produtor, isto é, através do pagamento, por parte dos agentes económicos da cadeia de valor que colocam os produtos no mercado, adequado aos custos do seu tratamento enquanto resíduos.

Acresce referir que a implementação da recolha seletiva de biorresíduos de forma intensiva e generalizada como nos é exigida pela obrigatoriedade da sua aplicação e cumprimento das metas de reciclagem, requer uma maior exigência nas soluções de modo a promover, por um lado, a adesão da população e, por outro, a adequada valorização, o que implicará, necessariamente, um esforço de empenho e co-responsabilização de todos os intervenientes na cadeia de valor e em particular, a criação das condições adequadas aos que têm a seu cargo a sua concretização, isto é, os municípios e os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU).

Assim, sendo o PERSU 2030, assumido como um documento evolutivo, importa acautelar a adoção de medidas concretas e de rápida exequibilidade e execução para fazer face à gravidade e dimensão das necessidades desta atividade de serviço público, tendo presente a necessidade de inverter a trajetória de distanciamento das metas da União Europeia a que o país se encontra vinculado, através de dois níveis de atuação: num prazo curto e urgente, e a médio/longo prazo, de acordo com as propostas de atuação aqui expostas.

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