
Uma primeira impressão sobre a proposta da Comissão Europeia relativa à reforma do mercado interno da eletricidade
A partir de um diagnóstico que parece correto, a Comissão Europeia apresentou a sua proposta de revisão sobre o mercado interno de eletricidade organizada em três linhas mestras: acelerar os investimentos no setor das renováveis, proteger e capacitar os consumidores e robustecer o setor industrial europeu tornando-o mais limpo e competitivo.
Pretende-se trazer previsibilidade aos investidores, liquidez e contratos de longo-termo não só ao setor electroprodutor, mas também a um setor que assumirá cada vez maior relevância que é o da prestação dos serviços de sistema, seja pelo armazenamento seja pela modulação da procura. É, neste contexto, significativo que a Comissão se proponha ao desacoplamento do gás natural dos mercados da eletricidade como consequência do aumento da relevância das renováveis ao invés de imposições administrativas conducentes à subsidiação das fontes fósseis.
A Comissão também abre a porta a que os consumidores tenham mais opções, tanto ao nível dos seus tarifários e respetivos prazos, como na escolha de mais do que um fornecedor permitindo a servitização da eletricidade com, por exemplo, um fornecedor para os eletrodomésticos, outro para bombas de calor ou outro para o carregamento de um carro elétrico. Em particular para a nossa realidade, ações desta natureza obrigam a acelerar o passo na digitalização do sistema.
Trata-se, contudo, do primeiro passo, a proposta irá agora ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu. Apesar das linhas serem adequadas, os detalhes e as suas implicações serão conhecidos a amplamente debatidos durante os próximos meses e certamente que os vários governos nacionais irão analisá-la de acordo com as especificidades das suas políticas.
E, na verdade, a transposição do que vier a ser adotado assentará nos governos nacionais que deverão gozar de liberdade para desenhar instrumentos adaptados à sua realidade. Sendo esta premissa uma premissa correta, conseguirá a reforma introduzir regras que permitam a coerência entre os diversos desenhos nacionais? Ou correm-se riscos de ações descoordenadas por parte dos vários Estados? Haverá custos para esta descoordenação e, no caso de os haver, quem os suportará?
O tempo escasseia. A própria Comissão Europeia reconhece que a janela temporal está ficar cada vez mais curta e durante a conferência de imprensa onde foi apresentada a proposta, a Comissária Europeia para a Energia Kadri Simson reconheceu dificuldades: o famoso pacote Fit for 55 apresentado há dois anos está ainda em negociações. É necessário que, mesmo com esta urgência, a discussão sobre a tão necessária reforma dos mercados da eletricidade seja feita com cuidado e que esta ocorra por um consenso assumido e não imposto, por convicção e não por obrigação. Só assim poderemos deixar uma energia melhor às próximas gerações de europeus.