Henrique Gomes (Energia-Tendências): A Caminho de uma União da Energia e um Mercado Eléctrico Eficiente?

Henrique Gomes (Energia-Tendências): A Caminho de uma União da Energia e um Mercado Eléctrico Eficiente?

Enquadramento Europeu de Longo Prazo

Alvos principais da Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, a União Europeia (UE) estabeleceu em 2007 e promulgou em 2009 um conjunto de legislação vinculativa em matéria de clima e energia para 2020. Este conjunto define três metas de 20% para: (1) 20% de redução nas emissões de gases com efeito de estufa; (2) 20% de quota da energia da UE proveniente de energias renováveis (com 10% das energias renováveis no sector dos transportes); (3) 20% de melhoria na eficiência energética.

A fim de assegurar estes objectivos globais, os países membros da UE assumiram igualmente objectivos nacionais vinculativos para aumentar a quota de energias renováveis no seu consumo de energia até 2020, ao abrigo da Directiva Energias Renováveis. Apenas superado pela Suécia, Letónia, Finlândia e Áustria, Portugal assumiu para 2020 e entre outras medidas, o objectivo de ter 31% de energias renováveis no seu consumo energético!

O último relatórios sobre os progressos em termos de energias renováveis (Jun15), verificou que em 2014 a EU-28 (região líder mundial na penetração das energias renováveis) tinha alcançado uma quota de 16% no consumo final de energia. Confirma ainda que a EU-28 e a grande maioria dos Estados-Membros, estão bem encaminhados para atingir a meta global de 20% em 2020, embora com risco de falhar os 10% de renováveis no sub-sector dos transportes (actualmente imerso em grande discussão sobre o impacto dos biocombustíveis nos solos e que já levou a CE a abandonar objectivos específicos e vinculativos para 2030). O grupo formado pela França, Luxemburgo, Grã-Bretanha e os Países Baixos, terá mais dificuldades em atingir as metas propostas.

Em Outubro de 2014, baseado no pacote climático e energético de 2020 e enquadrado com a perspectiva de longo prazo estabelecida no Roteiro para a transição para uma economia hipocarbónica competitiva em 2050, o Roteiro para a Energia 2050 e o Livro Branco sobre os Transportes, é estabelecido o quadro climático e energético de 2030 que, em relação às renováveis estabelece que os Estados-Membros devem assegurar em conjunto que a quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia da União seja de, pelo menos, 27 % até 2030 e que as contribuições de cada Estado-Membro para este objetivo global devem ser fixadas e notificadas à Comissão como parte dos seus planos nacionais integrados em matéria de energia e alterações climáticas. Estima-se que esta meta, apenas na produção de electricidade, exige um esforço de investimento de 254.000 M€.


Portugal comprometeu-se imediatamente com uma meta de 40%.

 

Custos e Benefícios das Renováveis

Se os benefícios das renováveis têm sido sobejamente dados a conhecer pelos lóbis ambientalistas e dos produtores de energia renovável, a divulgação e discussão dos custos dos seus apoios são, em especial em Portugal, sujeitos a censura e manipulação. A falta de contraditório na argumentação e de transparência dos processos regulatórios e de decisão política, dissolve inexoravelmente a confiança nos decisores e nos agentes económicos.

Após a fase inicial de adopção das renováveis por muitos mercados europeus, entrou-se na fase de crescimento que se caracterizou pelos elevados custos das tecnologias emergentes e pelos ritmos de crescimento muito rápidos e com volumes crescentes de FER – Fontes de Energia Renovável, mantendo-se as Feed-in tarifs (FIT), muito dispendiosas e claramente desajustadas para esta fase de crescimento. A passagem intermédia para mercado complementado com FIP – Feed-in Premium tardou demais.

Com os custos de apoio a aumentarem significativamente nos últimos anos (+144% entre 2009 e 2012), a CE e vários Governos foram obrigados a introduzir medidas paliativas de contenção de custos, limites de capacidade e de produção, revisões periódicas, regressividade e limites orçamentais. Mais drasticamente, observaram-se reduções tarifárias retroactivas para investimentos existentes em Espanha, Roménia, República Checa, Grécia e Itália, e até abruptas reversões de políticas e retirada rápida de apoio para projectos em construção na Finlândia e Polónia.

Actualmente, os níveis globais de investimento mascaram um abrandamento e uma volatilidade significativas em toda a Europa. Com uma quota no investimento mundial em energias renováveis de quase 50% em 2010, a EU-28 tem menos de 20% em 2015. Em 2014 ou em 2015, cerca de 70% das novas instalações na EU-28 ocorreram apenas entre os quatro maiores mercados com uma liderança muito folgada da Alemanha (cerca de 45%).

Com custos e preços da energia demasiado elevados e por muitos anos, a Europa perde competitividade, prejudica o bem-estar dos europeus e aumenta a pobreza energética. Os investidores, desconfiados, estão igualmente nervosos. Neste quadro insustentável, o reequilíbrio na Europa vai demorar.

Em contrapartida, os EUA, a China, a Índia e muitos países emergentes estão a descarbonizar e a equipar-se de forma muito mais eficiente.

E Portugal?

 

Portugal e os resultados da politica de descarbonização.

O facto de Portugal ter atingido em 2016 o saldo exportador de eletricidade mais elevado de sempre (172 milhões de euros, algo de inédito nos anos mais recentes) revela a importância estratégica que esta transição tem para a economia…!? Será assim mesmo?

 

A EDPR – player mundial e representativa do sector eólico. Tomando a EDPR como representativa dos vários mercados geográficos em que actua e como hipótese que a produção é quase exclusivamente eólica e analisando os resultados de 2016, verificamos que:

  • Produzindo 12,45% da sua energia em Portugal, a EDPR gere 26,77% dos lucros (antes de encargos financeiros e impostos) no nosso país.
  • A EDPR produziu em Portugal cerca de 24,4% da energia eólica nacional com um valor médio de receita unitária de 87,9 €/MWh. Este valor está cerca de 8 €/MWh abaixo da tarifa média nacional.
  • Para toda a actividade fora de Portugal, a receita unitária foi de 64,6 €/MWh. Para além de outras geografias menores, a sua receita média em Espanha foi de 70,8 €/MWh e na América do Norte (EUA+Canadá+México) de 56,1 €/MWh.
  • Na sua actividade em Portugal a EDPR apresenta os seguintes valores para, respectivamente, a produção, as receitas, EBITDA e EBIT: 3047 GWh/ 268 M€/ 223 M€/ 151 M€. A vida média dos activos em Portugal é de 7,7 anos.
  • Em contrapartida, a totalidade da sua actividade restante (já considerando, no caso da Espanha e América do Norte, os complementos de capacidade e os proveitos com as parcerias institucionais) gerou, também respectivamente: 21.426 GWh/ 1.383 M€/ 948 M€/ 413 M€. A vida média destes activos é de 6,3 anos.
  • Se a EDPR ajustasse para Portugal os mesmos indicadores por unidade de produção que tem na sua actividade restante, reduziria os valores da sua actividade no nosso país em termos das receitas, EBITDA e EBIT para, respectivamente: 197 M€/ 135 M€/ 59 M€.
  • Se extrapolarmos aqueles valores para o mercado nacional, verificamos que, em Portugal em 2016, pagámos mais cerca de 390 M€ que a média ponderada dos mercados onde a EDPR actua. Se utilizássemos como referencial a América do Norte, que representa 51% da produção da EDPR, este resultado aumentaria significativamente.
  • O indicador EBIT/Capital Investido em Activos Existentes é de 2,8% para toda a actividade fora de Portugal e de 8,2% para a de Portugal. (Notas: Não fora a recente reavaliação de activos e o ratio estaria nos 10,7%. Adicionalmente se não tivesse havido a opção do desconto actual em troca de uma garantia futura da tarifa num corredor entre um floor e um cap, o ratio ultrapassaria os 11,0%).

Para o conjunto da PRE – Produção em Regime Especial em Portugal e para 2016, a ERSE estimou um sobrecusto (apurado em relação ao preço de mercado) de cerca de 1.200 M€. Nos últimos 10 anos, computando os valores da ERSE, o valor total actual dos sobrecustos com as renováveis é de 14.000 M€.

Portugal nos Rankings. Em termos dos vários rankings sobre as renováveis, registamos a posição de Portugal:

  • 1º mundial em termos de Potência instalada / PIB per capita (2012 - CleanTechnica)
  • 3º mundial em termos de Potência instalada / per capita (2012 - CleanTechnica)
  • 14º mundial em termos de Investimento no ano/ per capita (2012 - CleanTechnica)
  • 7º na EU-28 no share de renováveis na produção de energia (47,3% em 2015 – ENTSO-E)
  • 2º na EU-28 (e provavelmente mundial) no share de renováveis intermitentes (eólica e solar) na produção de energia (25,1% em 2015 – ENTSO-E)
  • 8º lugar na EU-28  e 14º mundial em termos de potência instalada de energia eólica (5316 MW em 2016).

Pagámos demais, cedo demais e em quantidades colossais.

Ninguém se parece incomodar com os excessos e as nossas singularidades. Somos os maiores! Como poderá um sector protegido do mercado, com sobrecustos tecnológicos e rendas excessivas, ser mais eficiente que a economia em geral?


O esforço exagerado que o país tem feito para sustentar os rendeiros deste sector e o silêncio cúmplice dos governos são incompreensíveis à luz da necessidade de crescimento e competitividade da nossa economia, o bem-estar das populações e a redução da pobreza energética.

Um exercício político que, na energia e ao invés de cuidar de garantir o equilíbrio sustentável entre a competitividade, segurança de abastecimento e ambiente, abandone o serviço público e esteja ao serviço dos seus agentes, é corrupto ou incompetente.

Enquadramento de futuros apoios às renováveis.

Na preparação para a evolução para 2030 e mesmo além, no advento da competitividade e paridade das tecnologias renováveis intermitentes, eólica e solar, da sua integração nos mercados entretanto reconfigurados, a Comissão Europeia afirma que a produção renovável precisa de ser apoiada através de regimes baseados no mercado que resolvam as suas deficiências, assegurem a relação custo-eficácia e evitem a sobrecompensação.

Eventuais apoios estão já sugeitos às orientações relativas a auxílios à electricidade FER produzida a partir de fontes de energia renováveis que obrigam a que para a integração de electricidade a partir de fontes renováveis no mercado, os beneficiários estejam sujeitos às obrigações desse mercado e aí vendam directamente.

Ademais, desde 1 Jan17, passaram a aplicar-se os seguintes requisitos: Os auxílios são concedidos no âmbito de um procedimento de concurso competitivo, com base em critérios claros, transparentes e abertos a todos os produtores de electricidade a partir de fontes de energia renováveis numa base não discriminatória e só podem ser concedidos até à plena amortização das instalações, devendo quaisquer auxílios ao investimento previamente recebidos ser deduzidos dos auxílios ao funcionamento.

Também a recente proposta reformulada de directiva relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis (entrada em vigor prevista para 2020) enquadra o Apoio financeiro à electricidade produzida a partir de fontes renováveis (Artº 3). Assim (transcrição livre):

“Sem prejuízo das regras em matéria de auxílios estatais, os Estados-Membros podem aplicar regimes de apoio. Os regimes de apoio à electricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis devem ser concebidos de forma a evitar distorções desnecessárias dos mercados da electricidade e assegurar que os produtores tenham em conta a oferta e a procura de electricidade, bem como eventuais condicionalismos da rede.

O apoio deve ser concebido de modo a integrar a electricidade produzida a partir de fontes renováveis no mercado da electricidade e garantir que os produtores de energias renováveis estão a responder aos sinais de preços do mercado e maximizam as suas receitas do mercado.

O apoio é concedido no âmbito de um processo de selecção aberto, transparente, não discriminatório, concorrencial e eficaz em termos económicos.

As decisões a tomar sobre a continuação ou o prolongamento do apoio e sobre a concepção de novos apoios devem basear-se nos resultados de avaliações a executar de quatro em quatro anos".

Portugal não está pressionado para tomar decisões de grandes investimentos em renováveis, nem pelo SEN - Sistema Eléctrico Nacional que tem sobrecapacidade instalada (à parte alguns ajustes pontuais no equilíbrio dinâmico do Sistema), nem por motivos das nossas responsabilidades ambientais.

Fruto de exuberâncias passadas de diversa natureza, o SEN tem um nível de preços demasiado elevado e a divida tarifária encarregar-se-á de os manter assim durante muito tempo, mesmo que, entretanto, se não assumam novos encargos.

Os sistemas energéticos e os mercados estão em plena revolução e há imenso a fazer, para alem dos investimentos em produção. Os investimentos quando estiverem preparados, que vão a mercado! A 100%, por forma a garantir uma eficiente alocação de recursos, contribuindo decisivamente para o equilíbrio e sustentabilidade das empresas e famílias.

Esperamos que as nossas instituições, Governo, AR e Reguladores, defendam o interesse público!


Henrique Gomes é Licenciado em Engenharia Mecânica pelo IST-UTL e MBA pela FE-UNL. Foi administrador da GDP – Gás de Portugal e da REN – Redes Energéticas Nacionais e também SEE do XIX Governo Constitucional (até 13Mar12). Actualmente, não tem remuneração nem participações sociais em nenhuma empresa ou associação ligada à energia.

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